A pena de perdimento é a punição aplicada sobre um bem envolvido em algum tipo de ilicitude na importação ao Brasil. Neste escrito trataremos da tentativa de aplicação, pela fiscalização, da pena de perdimento em função de ilicitude criminal.

Ocorreu um caso concreto: determinadas mercadorias foram importadas de forma irregular. Ao chegarem ao Brasil, as mercadorias eram transportadas em veículos alugados de uma determinada locadora. Feita a operação policial de apreensão das mercadorias importadas, o veículo alugado foi incluído na penalidade de perdimento. A empresa locadora se insurgiu contra isso, tendo sido vencida em duas instâncias, mas felizmente teve o seu direito reconhecido no Superior Tribunal de Justiça – STJ.

É lamentável que, comumente, o apetite fiscalizatório estatal se exceda. Utilizando um decreto-lei de 1966, o nº 37, a fiscalização federal aplicou ao veículo a pena de perdimento pelo simples fato do mesmo estar transportando as mercadorias objeto do crime. Entenderam a fiscalização e as duas primeiras instâncias da Justiça, que havia indícios “suficientes” de que a locadora sabia da prática criminosa.

A aplicação da lei criminal não pode se dar com base em indícios. É preciso haver provas. Provas conclusivas e contundentes. O respeito ao estado democrático de direito passa pelo respeito aos mais basilares princípios constitucionais. Se o processo administrativo de perdimento trouxe somente indícios, o dono do veículo não tem como ser apenado com o perdimento. A locadora de automóveis não tem, legal ou contratualmente, nenhuma obrigação de sair investigando o que os locatários dos carros estão fazendo com os seus veículos.

Não há como se admitir uma inversão de obrigações na esfera criminal, mesmo que algum caso esteja ligado a uma questão alfandegária. A liberdade, inclusive dos bens, é a regra. Apreensão e perdimento são exceções, que podem e devem ser usadas quando houver, em desfavor de seu proprietário, provas incontestáveis da participação no ilícito.

Ao julgar o caso, o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu o equilíbrio que deve existir entre o agente estatal, que tem o poder de polícia, e os cidadãos brasileiros. Segue um importante trecho do julgamento do recurso especial 1817179: “Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e estipular a competente penalidade para as hipóteses que determinar, ao mesmo tempo em que ninguém pode ser privado de seus bens sem a observância do devido processo legal. (…) A pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao proprietário do bem quando, com dolo, proceder à internalização irregular de sua própria mercadoria. A pessoa jurídica, proprietária do veículo, que exerce a regular atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria, exceção que, à míngua de previsão legal, não pode ser equiparada à não investigação dos ´antecedentes´ do cliente.”

Esperamos que esse julgamento sirva de paradigma para nortear ações fiscalizadoras e do próprio Poder Judiciário em suas instâncias menores, daqui por diante.


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